Reportagem especial

Os desafios que os próximos governantes terão para melhorar a educação na região

Pâmela Rubin Matge

Foto: Renan Mattos (Diário)

Não há discurso político ou plataforma de governo em que não se defenda que a educação é o caminho para o desenvolvimento, porém, o compromisso com a educação pública estadual tem sido falho, contraditório e cada vez mais complexo. Talvez, porque da cadeira do Piratini não dê para mensurar o impacto de o Rio Grande do Sul ter cerca de 151 mil crianças e jovens de 4 a 17 anos fora da escola (sendo que, nessa faixa etária, o ensino é obrigatório) e 324 mil analfabetos (com mais de 15 anos). Ou, o fato de 70% dos alunos não atingirem o nível suficiente de conhecimento em língua portuguesa e matemática na última avaliação do Sistema Avançado da Educação Básica (Saeb), conforme menciona Cezar Miola, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e coordenador do Comitê de Educação do Instituto Rui Barbosa (IRB), que congrega tribunais de contas de todo o país: 

- Bons resultados passam pela articulação de atores da administração pública e da comunidade escolar. Aos tribunais de contas cabe, mais do que analisar as políticas públicas na perspectiva da legalidade, monitorar o cumprimento e o atendimento das metas de educação e sua compatibilidade com o Plano Nacional, atuando também de forma pedagógica - explica Miola, sobre a atuação do IRB.

Com base nas pesquisas sobre os problemas que mais preocupam os brasileiros, até de 23 de setembro, o Diário segue com uma série abordando que temas aguardam os próximos governantes para Santa Maria e região, além do drama das contas públicas do Estado . Neste fim de semana, a quarta reportagem mostrará um panorama da Educação.

NÚMEROS QUE FALAM POR SI
No final do mês de julho, uma pesquisa da organização Todos Pela Educação e do Itaú Social apontou que metade dos professores do país não recomenda a profissão devido à desvalorização da categoria.

O cenário, que não vem de hoje, perpassa diferentes gestões e aumenta a responsabilidade dos próximos governantes. Os problemas refletem na infraestrutura das escolas, professores malremunerados, atrasos de verbas, parcelamento de salários, greves e aprendizado comprometido.

- As oportunidades educacionais são profundamente desiguais. Quase 90% dos jovens gaúchos mais ricos terminam o Ensino Médio até os 19 anos, mas, entre os jovens gaúchos mais pobres, essa proporção é menor que 40%. Esse quadro é representativo de um sistema com menos oportunidades para aqueles com maior vulnerabilidade socioeconômica - avalia Caio Callegari, coordenador de Projetos do Todos pela Educação.

O atual desempenho dos 39 municípios da área de cobertura do Diário no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) denotam outra fragilidade: resultados são melhores no primeiro ciclo do Ensino Fundamental, mas perdem força no ciclo final dessa etapa e, praticamente, ficam estagnados no Ensino Médio.

Já de acordo com o Índice de Desenvolvimento Estadual (IRS), neste ano, o Estado caiu do 9º para o 11º lugar no ranking nacional. Os números falam por si: a educação do Estado tropeça em metas e ineficiência de políticas.

O QUE CABE A CADA UM
Governador - A Constituição estabelece os Estados a colocar 25% da sua receita com impostos na área da educação. O principal foco é o Ensino Médio, mas as ações estaduais não precisam se limitar a isso: o governo estadual pode ajudar municípios a oferecer o Ensino Fundamental, bem como pode criar instituições de Ensino Superior. Também são os estados que contribuem com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que é composto por contribuições de todos os entes da federação e se destina a investimentos na educação básica
Deputados e senadores - Aprovar e discutir propostas de políticas educacionais, destinar emendas à educação
Presidente - De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), é responsabilidade da União, além de sua rede de ensino superior e sua presença em outros níveis e modalidades de ensino, exercer função técnica de apoio e financiamento, implantação de programas e articulação de toda a organização da educação nacional

ARRANCADA POSITIVA, CONCLUSÕES INSUFICIENTESFoto: Renan Mattos (Diário)

Divulgado pelo Ministério da Educação (MEC), o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é o principal balizador de qualidade da educação brasileira.

No Ideb, divulgado na última segunda-feira, os anos finais de escolas públicas do Ensino Fundamental de Santa Maria não atingiram a média nacional de 5,0. No 5º ano de 28 escolas estaduais, quatro ficaram acima da meta de 5,6. Do 9º ano, das 29 escolas estaduais avaliadas, apenas uma ultrapassou a meta de 4,8. Já as escolas públicas do Ensino Médio ficaram abaixo da média nacional de 4,7.

Na região, os outros 38 municípios da área de cobertura do Diário, 26 ficaram acima da média nacional na avaliação das séries iniciais, apenas 5 cinco das séries finais e nenhum atingiu as metas de Ensino Médio. 

Coordenadora do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rosane Carneiro Sarturi relata que as práticas pedagógicas ainda se baseiam na reprodução do conhecimento, quando se faz necessário desenvolver habilidades:

 - A renovação dos espaços escolares vai além das classes, cadeiras e quadro de giz. A interlocução entre os saberes científicos e culturais, a busca de uma educação integral, que transcende a concepção de tempo integral. A gestão democrática, administrativa-financeira e pedagógica depende de uma proposta político-pedagógica que não fique limitada ao texto, que seja construída e vivida por todos os segmentos da escola.

O coordenador de projetos do Todos pela Educação, Caio Callegari, acrescenta:

- Em geral, os resultados do Rio Grande do Sul no Ideb 2017 não trazem boas notícias. Apesar de ter havido melhora nos índices das três etapas de ensino, os ensinos Fundamental e Médio subiram apenas 0,1 ponto. É um ritmo muito lento de avanço para um Estado que está aquém das metas de qualidade estabelecidas e que tem desempenho igual ao da média do Brasil, apesar do potencial legado por seu nível socioeconômico.

Como é calculado o IDEB
O Ideb avalia os ensinos Fundamental e Médio, com base em dados sobre aprovação nas escolas e desempenho de alunos no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) a cada dois anos. Os resultados levam em conta o desempenho em provas de português e matemática e a taxa de aprovação. O índice vai de zero a 10. A meta para o Brasil é alcançar a média 6 até 2021. 

VALORIZAÇÃO E INFRAESTRUTURA SÃO PRIORIDADES

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

Enquanto espera-se encontrar uma escola como um espaço privilegiado para o exercício da democracia, a reportagem deparou com a resistência de alguns professores - de Santa Maria e de outras cidades da Região - em relatarem os problemas de cada instituição. O motivo: a véspera das eleições e o receio em serem prejudicados.

Na escola onde uma professora que não quis ser identificada trabalha, a rotatividade de mestres é grande, o que acaba prejudicando os alunos. Outro caso é de a carga horária de uma disciplina ser substituída por outra:

- Pode até não faltar professor, mas falta conteúdo. Não adianta ter mais aula de educação física, por exemplo, e não ter de literatura.

Na mesma instituição, também falta giz, merenda e bola. Segundo ela, falta respeito com a educação. A comunidade escolar se vira como pode: inventa gincanas, faz rifas e, às vezes, o dinheiro sai do bolso do próprio professor.

- Falta o básico e o professor é desmotivado, desvalorizado há anos. Isso tem consequências. Olha como baixaram os índices do Ideb. Que incentivo esses alunos vão ter? Como convencer que a educação é o caminho? - questiona a professora.

Foto: Renan Mattos (Diário)

Diretora da Escola Estadual Coronel Pilar, Deise Matte Corrêa diz que o mais difícil, além dos baixos salários dos professores é administrar a escassez de recursos:

- Tem que fazer malabarismo. Estamos com verbas de julho e agosto em atraso. É preciso pagar as contas de telefone, internet, trocar uma fechadura. É como se fosse uma casa onde circulam quase mil pessoas e sempre tem o que fazer, nunca sabemos quando vamos precisar de mais uma obra. Outro problema é o enxugamento de recurso humanos. Tenho duas secretárias para a escola toda, nos três turnos e laboratórios de informática bem equipados, mas fechados por não ter quem trabalhe neles.

Com a tempestade de outubro de 2017, a Coronel Pilar teve de ser interditada e as atividades letivas transferidas por três meses para sede de outra instituição, a Escola Estadual Rômulo Zanchi. Segundo a diretora, somente entre aprovação e liberação de verbas, a espera foi de seis meses.

Sem investimento
Rafael Torres, professor estadual e diretor-geral do 2º núcleo Cpers/Sindicato afirma que não há profissionais em número suficiente e que muitos professores estão afastados por diversos motivos e sem a devida reposição. 

- A realidade das escolas estaduais é a seguinte: quando há computador, não há internet, quando tem os dois não há profissionais para atender aos estudantes. Laboratório, biblioteca e quadra de esportes em condições são uma raridade - conta.

Na área de abrangência do 2º núcleo, o professor relata que algumas escolas foram fechadas e a municipalização é um risco iminente:

- É uma ameaça real, pois os municípios não terão condições financeiras de dar conta da demanda de alunos, pois o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) encerra em 2020 e não há horizonte de financiamento da educação, após a entrada em vigor da EC 95, que congela os investimentos públicos por 20 anos. 

CENÁRIO DE CONTRADIÇÕESFoto: Gabriel Haesbaert (Diário)

Apesar das reclamações de professores, alunos e funcionários de, pelo menos, cinco escolas estaduais da região ao Diário, José Luiz Egress, coordenador da 8ª Coordenadoria Regional de Educação (8ª CRE), rebate alguns questionamentos. Por outro lado, assinala que faltou, por um longo período o investimento em manutenção dos prédios e que uma das principais deficiências estruturais é na parte das redes elétricas das escolas. Para atender a essa demanda, o Estado firmou um convênio com a UFSM para fazer levantamento e projetos para todas as instituições por meio do curso de Engenharia Elétrica e da Coordenadoria de Obras. da 8ª CRE. O convênio está em fase de execução.

O coordenador também promete que, até o final deste ano, 65% das escolas da rede da 8ª CRE terão recebido pelo menos uma obra de recuperação da estrutura física. Quanto aos problemas no quadro funcional, ele discorda:

- Não tivemos e não temos falta de professores na rede da 8ª CRE. A atual gestão estadual adotou política de RH que leva em conta a base curricular, tipologia da escola, turnos de funcionamento, número de alunos e o número de dependências físicas de cada estabelecimento de ensino. Adotou também novos procedimentos de atendimento de necessidade de RH, totalmente informatizado, cujo sistema permite que a escola, por meio digital, inclua a necessidade e em tempo real. Quatro escolas com número reduzido de alunos foram desativadas e uma, também com número reduzido, foi transferida para o município. Aos alunos foram ofertadas matrículas em outro estabelecimento de ensino próximo e acesso ao transporte escolar - assegura Egress.


AS LIÇÕES QUE PRECISAM SER FEITAS

Valorização de professores e investimento na Educação Infantil   são apontadas por especialistas em educação  como as principais metas da área. Veja o que dizem cada um deles: 

Foto: Renan Mattos (Diário)

Caio Callegari - Coordenador de projetos  do Movimento Todos Pela Educação
"A próxima pessoa que ocupar o Palácio Piratini deverá, ao ser eleita, fazer uma densa avaliação do quadro educacional do Estado. É um quadro de estagnação de resultados na maior parte da educação básica, somado a duras desigualdades que persistem e que demandam medidas urgentes e estruturantes para continuar o que está sendo bem-feito, introduzir novas políticas e aumentar a coerência do sistema educacional. Esse processo exigirá e disposição de prefeitos e secretários municipais de Educação, principais responsáveis pela Educação Infantil e pelo ciclo de alfabetização. Quem estiver no governo deverá dar centralidade política, de tempo e de recursos para a educação. Além disso, não se pode perder de vista o que diz o Plano Estadual de Educação, construído com a participação da sociedade gaúcha. O plano traz diretrizes, metas e estratégias para as políticas educacionais. Algumas das metas, inclusive, já estão com prazo vencido, como a universalização da educação básica para todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos. É preciso ter clareza de que não há uma solução mágica para a evolução da educação gaúcha. Problemas complexos demandam respostas complexas que, muitas vezes, vão além da própria educação. Mas, sabemos que nenhum avanço concreto e sustentável pode acontecer se não melhorarmos a formação dos professores, valorizando-os e apoiando-os para realizarem bons trabalhos pedagógicos, e se não garantirmos condições básicas e dignas de funcionamento das escolas. Hoje, 37% dos professores do Ensino Médio gaúcho têm formação considerada inadequada e o tempo médio de aula para os estudantes está abaixo da média do Brasil."

Cezar Miola - Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e coordenador do Comitê de Educação do Instituto Rui Barbosa (IRB)
"No plano da gestão, é necessário lembrar que a Constituição estabelece que o direito à educação de crianças é absoluta prioridade, sendo um dever da família, do Estado e de toda a sociedade. Para ofertar educação que atenda às necessidades da população, é preciso que o poder público planeje as ações na área.
Um dos principais mecanismos para se assegurar a efetividade das metas e das estratégias definidas para a educação é a inserção da matéria no contexto dos Planos Plurianuais (PPA), das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e das Leis Orçamentárias Anuais (LOA), entre outros. A priorização da oferta de vagas na Educação Infantil é um dos pontos fundamentais.  Um levantamento recente do Comitê Técnico de Educação do Instituto Rui Barbosa (IRB) indica que 72% (382) dos municípios do Rio Grande do Sul, por exemplo, não cumpriram com a obrigação de universalizar o atendimento na pré-escola. Desses, 288 investem nos Ensinos Médio e/ou Superior, áreas que são de responsabilidade da esfera estadual ou federal, o que só poderia ocorrer depois de cumpridas suas atribuições, conforme exigência do artigo 11, V, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). No Brasil, pelos menos 40% dos municípios adotam a mesma prática."

José Luiz Egress - Coordenador da 8ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE)
"As ações devem se concentrar primeiro na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental com acompanhamento efetivo do processo de alfabetização, da leitura e escrita, do estudo da língua portuguesa e da matemática. Uma criança com a alfabetização bem consolidada, com certeza, terá bons resultados nos anos finais e no Ensino Médio. Ainda é preciso continuar investindo para oportunizar ferramentas pedagógicas com base tecnológica e formação continuada para os profissionais da educação. No que tange ao Ensino Médio, acredito que seja necessário dar novo significado ao nível de ensino, criar novas perspectivas para o aluno, o que se espera que ocorra a partir do processo de construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Médio que está acontecendo neste momento."    

Rafael Torres -Professor estadual e diretor-geral 2º núcleo Cpers/Sindicato
"Não é possível conceber que o Estado que detém o 4° maior PIB do país pague o segundo pior salário para seus profissionais da educação. A defasagem salarial em relação ao piso nacional do magistério passa dos 95%. Para que qualquer área se desenvolva, são necessários estrutura e valorização. Hoje, no RS, com um projeto de desmonte da estrutura pública não existe uma coisa nem outra. 80% das matrículas da educação básica estão nas redes públicas. Nossos alunos e profissionais estão entregues à própria sorte. Sem discutirmos o financiamento da educação, não será possível ofertar aos nossos jovens as mesmas oportunidades de acesso aos níveis mais elevados do ensino."

Rosane Carneiro Sarturi - Coordenadora do programa de pós-graduação em Educação da UFSM
"Promover a valorização do magistério, cujo plano de carreira está defasado e não sofre alterações desde 1974. Também é preciso que o Estado invista em infraestrutura. As escolas possuem poucas condições financeiras para manter a qualidade da educação. Os alunos, em maioria, encontram-se em situação de vulnerabilidade social. A merenda escolar acaba por ser a principal refeição. É preciso garantir aos estudantes condições equitativas para aprender.

Para isso, é necessária vontade política e o entendimento de que não se gasta com educação, se investe na formação dos sujeitos. Como cidadã devo ter consciência de que ter acesso e garantia de permanência na escola é um direito e, como contribuinte, poder decidir como quero que a minha contribuição, paga na forma de tributos, seja aplicada."

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